Ainda tomado pela inquietação do sonho, Cauã balançou a cabeça, tentando afastar os resquícios do sonho que acabara ter. Com as duas mãos, esfregou o rosto, como se pudesse se livrar da estranha sensação que o cercava. "Esqueça isso," murmurou para si mesmo, forçando a mente a focar no que estava por vir. Ele rapidamente começou a trocar de roupa, pois sabia que seu pai, Simão, partiria em breve para Brampton, uma viagem que duraria oito dias e oito noites. Seu coração disparava no peito—este era o momento pelo qual esperara por tanto tempo.
Aproximando-se do pequeno baú de madeira aos pés de sua cama, Cauã levantou a tampa, e o ranger das dobradiças de metal ecoou pelo quarto, como o prelúdio de sua jornada. Ele pegou uma bolsa de couro, a pendurando na lateral do cinto, seguido pela velha adaga que Simão lhe dera anos atrás para ensiná-lo a se defender.
Ainda ajoelhado diante do baú, ele segurou a adaga nas mãos, contemplando-a por um instante. As memórias de sua infância o invadiram—lembrava-se de quando balançava a lâmina no quintal, imaginando batalhas contra monstros invisíveis. A adaga, embora pequena, carregava o peso de seus sonhos de aventura. Com um suspiro profundo, ele guardou as lembranças no fundo da mente e pegou seu cantil, antes de se cobrir com o manto extra que usaria para se proteger do frio durante a longa viagem.
Cauã não conseguia conter sua emoção. De repente, ele correu para a porta de seu quarto e a empurrou com força, o estardalhaço da cena ecoou por toda a casa.
Simão que estava na cozinha colocando alguns pequenos frascos na mesa, fez uma breve expressão de susto, mas logo em seguida fala com excitação e um grande sorriso no rosto.
— Bom dia para você também, garoto! — exclamou Simão, com um grande sorriso. — Vejo que acordou animado. Venha, sente-se! Você precisa comer antes de partirmos!
Paulo, já acomodado à mesa, soltou um pequeno riso abafado enquanto mastigava um pedaço de pão. Com a boca ainda cheia, ele levantou a mão para cumprimentar Cauã.
Enquanto se acomodava à mesa e começava a selecionar os alimentos em seu prato, Cauã não conseguiu conter a curiosidade.
— Pai! O que são esses frascos coloridos aqui? — perguntou ele, apontando com a mão esquerda para os pequenos recipientes sobre a mesa, enquanto com a direita levava apressadamente uma fatia de pão à boca.
— Antes de começarmos a viagem, você precisa aprender muito sobre este mundo. Aqui há 4 tipos de poções que irão nos ajudar dependendo da situação. — disse Simão, girando o frasco entre os dedos. — O mundo lá fora é imprevisível. Estes frascos podem parecer simples, mas o que carregam dentro pode salvar sua vida.
Alinhando cada frasco à sua frente ele começou a explicar de um a um.
— Este aqui — disse Simão, pegando o primeiro frasco, cuja tonalidade era negra como a escuridão da noite — é a Essência de Nymira. Em momentos de perigo, quando não houver outra opção a não ser fugir, ela torna quem a ingerir invisível por alguns minutos. Tempo suficiente para te dar uma vantagem e pensar em como escapar ou traçar o próximo movimento.
Apoiando o frasco de volta à mesa, ele aponta para o segundo frasco.
— Esta é a Essência de Mana. Quando estiver esgotado, sem forças para conjurar magia ou utilizar qualquer poder arcano, uma dose disto restaurará suas energias temporariamente — explicou Simão, enquanto girava o frasco de líquido azul em suas mãos. Ele fez uma breve pausa, coçando o rosto como quem ponderava sobre algo. — Mas, por enquanto, ignore essa. Ainda não sabemos que tipo de magia, se é que alguma, você pode dominar — acrescentou, com um olhar pensativo.
— Já este é o Tônico de Cura. Este curará você, porém tome cuidado, uma dose pode curar pequenos cortes, contusões, e até mesmo envenenamentos. Ele trabalha rápido, mas não é ilimitado. Precisamos usá-lo com sabedoria.
Simão apontou para o último frasco, o mais impressionante de todos. A tonalidade vermelha se misturava com dourado, criando um espetáculo hipnotizante, como se o próprio líquido estivesse vivo, dançando em um movimento lento e harmonioso. Ele abriu a boca para explicar, mas hesitou por alguns segundos, os olhos fixos no frasco, como se ponderasse sobre o que estava prestes a dizer. Finalmente, quebrou o silêncio e falou:
— Esta você pode ignorar por enquanto. Não iremos usá-la — disse Simão, empurrando apenas os três primeiros frascos na direção de Cauã. O jovem pegou os frascos, guardando-os cuidadosamente na pequena bolsa presa ao cinto. Apesar de sentir uma forte curiosidade sobre o último frasco, com suas cores hipnotizantes, ele decidiu não insistir. Sua mente estava totalmente focada na aventura que estava prestes a começar, e a emoção do que o aguardava superava qualquer dúvida.
Após guardar as poções em sua bolsa, Cauã deu uma última olhada para a casa que viveu pelos últimos 10 anos antes de seguir seu pai e Paulo em direção à porta. Ao lado de fora, há a velha carroça que seu pai utiliza para fazer suas viagens e vender suas mercadorias. Aparentemente simples, porém robusta, ela era feita de madeira escura e reforçada com tiras de ferro, as rodas de madeira rangiam suavemente enquanto Paulo subia pela lateral esquerda e ajustava as rédeas dos cavalos. A lona branca e manchada que a cobria, ajudava a manter a temperatura baixa no interior da carroça.
A carroça era modesta, mas havia algo de confiável nela, como se já tivesse percorrido incontáveis estradas, sobrevivendo a tempestades e caminhos traiçoeiros. Cauã deslizou a mão pela lateral de madeira áspera enquanto caminhava em direção à parte de trás da carroça, seus dedos sentindo as marcas e entalhes de viagens passadas, cicatrizes de aventuras que ele ainda não vivera.
Ao subir na carroça, seus olhos percorreram as caixas e pequenos barris que seu pai levava para a venda. Para Simão, era mais uma jornada rotineira, uma viagem de negócios, um trajeto familiar. Mas para Cauã, era muito mais do que isso. Essa era sua partida definitiva, o início de sua vida como mercenário e aventureiro. O que para Simão parecia um simples comércio, para Cauã simbolizava o começo de sua história. O coração de Simão, no entanto, sabia que essa poderia ser a última vez que veria seu filho partir sem previsão de retorno, e isso tornava a despedida ainda mais pesada.
Pouco tempo depois, o trio estava diante dos portões de Stanston. O vento frio da manhã soprava gentilmente enquanto os cavalos resfolegavam, prontos para partir.
Enquanto olhava para trás, Cauã observava os portões da cidade se afastarem
lentamente, tornando-se uma silhueta cada vez mais distante no horizonte. O tremor da carroça na estrada era um sinal claro de que, a partir daquele momento, o mundo à sua frente era novo e repleto de possibilidades que o deixavam ansioso por descobertas. Após conter sua ansiedade por um breve instante, ele desviou o olhar para Paulo, que estava vestido com roupas de couro reforçadas com pequenas placas de ferro, sua espada longa reluzindo ao lado, pronta para o combate. Ao contrário dele, Simão usava um traje de couro mais leve, complementado por um tecido que parecia mais prático que defensivo. A ausência de qualquer arma ao seu lado levantou uma nuvem de incertezas na mente de Cauã, fazendo-o questionar a segurança da jornada que estavam prestes a empreender.
Simão, percebendo a preocupação estampada no rosto do garoto e a direção de seu olhar, que refletia incertezas, disse de repente: — O que você procura não é algo que eu costumo usar. Ele afastou a capa para o lado, revelando a adaga que ocultava em sua cintura. — Prefiro ser sorrateiro; isso combina mais comigo.
Paulo, que observava a conversa, interveio com um sorriso travesso: — E é por isso que você não é alguém em quem se pode confiar! Faça como eu, Cauã: use uma espada grande e chamativa, assim ninguém se atreverá a se meter com você sem pensar duas vezes. Ele ergueu sua espada com orgulho, a lâmina brilhando ao sol.
Simão se levantou da carroça, esticando a coluna para frente como se estivesse
aquecendo o corpo. — Pensando bem, você nunca me viu lutar, certo? Paulo! Pare a carruagem um momento; já avançamos bem. Vamos aproveitar para comer e praticar.
Você ainda tem a antiga adaga que te dei? Ele olhou para Cauã, os olhos brilhando com uma mistura de expectativa e desafio.
Enquanto o sol brilhava intensamente sob a velha carroça, Paulo avistava um local bom para pararem sob as sombras das árvores. Paulo era o primeiro a descer e andava ao redor da carroça para preparar o local para a pequena pausa que iriam fazer.
Os sons dos pássaros na floresta eram levados ao longe pela brisa suave, que se misturava com o aroma da madeira fresca e úmida. Simão, observando a movimentação de Paulo enquanto ele preparava os mantimentos, voltou-se para Cauã, que estava absorto na beleza da floresta.
— Venha cá, garoto! Vamos procurar algo para comer — disse Simão, gesticulando com a mão enquanto afastava alguns galhos e se aventurava mais fundo na mata.
Cauã hesitou por um momento, mas correu rapidamente para acompanhar Simão. Esta seria uma ótima oportunidade para aprender a encontrar comida em um ambiente tão selvagem e intrigante.
Simão movia-se com cuidado, analisando o solo sob os pés e as marcas nas árvores. Cauã seguiu seus passos, atento aos pequenos detalhes que o pai indicava. Ele observou as pegadas de um pequeno animal na terra macia, o modo como as folhas estavam amassadas em um determinado caminho e até mesmo os sons discretos de folhagens sendo quebradas ao longe.
— Olhe aqui, Cauã — disse Simão, apontando para as marcas no chão. — Estas são pegadas de Roggue. Se seguirmos por este caminho, talvez consigamos encontrar um deles.
Cauã inclinou-se para observar melhor, maravilhado com a ideia de estar tão próximo de algo que poderia se tornar seu alimento. Ele notou como as marcas eram sutis, quase invisíveis para quem não sabia o que procurar. Com o coração acelerado de emoção, ele decidiu prestar atenção em cada movimento, cada ruído, para aprender tudo o que pudesse.
Mais adentro da floresta, Simão avançava quase agachado, cauteloso para não ser notado pela criatura. Cauã o seguia, observando-o com crescente atenção. De repente, Simão parou, fixando o olhar em uma direção específica. Com um gesto rápido, levou o dedo indicador aos lábios, sinalizando a Cauã para que ficasse em silêncio.
Ao se inclinar levemente, Cauã conseguiu vislumbrar a criatura à frente, próxima a uma grande pedra. Com menos de um metro de altura, seu corpo curvado era ao mesmo tempo peculiar e fascinante. A pele verde-escura da criatura brilhava, coberta por uma substância viscosa que reluzia à luz filtrada pelas árvores.
Seus olhos, grandes e saltados, cintilavam como pequenas lanternas na penumbra do bosque, enquanto a boca larga exibia dentes afiados e irregulares, prontos para devorar qualquer presa. As orelhas, pequenas e quase imperceptíveis, pareciam mais fendas na lateral de sua cabeça. Os membros dianteiros eram desproporcionais, dando à criatura uma aparência que sugeria agilidade e destreza em seus movimentos. As pernas, no entanto, eram seu traço mais impressionante: longas e musculosas, preparadas para saltos ágeis.
Embora os Roggues sejam geralmente considerados criaturas de pouca inteligência e fáceis de caçar, sua agilidade e instintos rápidos tornam a captura um desafio inesperado para qualquer caçador.
Cauã estava tão absorvido na observação da criatura que nem percebeu que Simão já havia se afastado. Um súbito susto o atingiu quando, ao olhar ao redor, ele ouviu um leve ruído à frente do Roggue. A atenção de ambos se fixou na direção do som. Antes que a criatura pudesse reagir, Simão irrompeu como uma sombra, deslizando rapidamente entre as árvores. Com um impulso poderoso, ele aterrissou sobre o pequeno Roggue, seu peso fazendo o chão vibrar.
Em um piscar de olhos, a adaga de Simão já havia perfurado o pescoço do monstro. Um jato de sangue verde jorrou, e o som que escapou da traqueia do animal era como um sussurro ofegante. Sem causar alvoroço, Simão garantiu o que precisava para o jantar da noite. A eficiência e a rapidez do movimento deixaram Cauã sem palavras, maravilhado com a habilidade do pai.
Simão se afastou um pouco do Roggue, observando o corpo imóvel do monstro. Ele virou-se para Cauã, que ainda estava paralisado pela cena.
— Eu sabia que ele não seria um desafio — disse Simão, limpando a adaga com um pano que tirou do bolso. — Antes de atacar, joguei uma pequena pedra à frente dele. Isso desviou a atenção, dando-me a chance de agir rápido.
Cauã olhou para o corpo do Roggue, ainda surpreso.
— Então, foi assim que você conseguiu? — perguntou ele, impressionado. — Eu não percebi nada!
Simão sorriu, um brilho orgulhoso em seus olhos.
— É assim que se caça, meu filho. Aproveitar as distrações e agir no momento certo é crucial. Lembre-se disso; a astúcia é tão importante quanto a força.
Cauã assentiu, agora mais consciente da importância de cada detalhe na natureza e na arte da caça. O aprendizado estava apenas começando.
Seu pai se agachou e pegou o corpo do pequeno Roggue, que jazia inerte no chão. Assim que se viraram para a saída da floresta, Cauã ouviu um som peculiar vindo de suas costas. Ao se virar em direção à poça de sangue verde que se acumulava no solo onde a criatura foi abatida, seus olhos se fixaram em uma sombra que parecia materializar-se em forma de estaca saindo do chão e se dissolver rapidamente de volta a sua origem.
Antes que pudesse processar o que estava acontecendo, Simão se virou e falou — Vamos! Ainda precisamos preparar essa carne para comer — Disse enquanto continuava a andar, sem olhar para trás.
Cauã hesitou por um momento e respondeu — Estou indo! — Enquanto tentava ignorar o que acabara de ver
Em pouco tempo, já estavam ao redor da fogueira, o cheiro da carne do Roggue assando no ar. Paulo manuseava os mantimentos, enquanto Simão cortava pedaços da criatura para o jantar.
Cauã, segurando o espeto com pedaços de carne que assavam lentamente sobre o fogo, não conseguia conter sua curiosidade. A cena de seu pai derrotando o Roggue ainda estava viva em sua mente. Com os olhos fixos na fogueira, ele perguntou: — Pai, como eu posso aprender a lutar como você?
Simão, que estava prestes a levar um pedaço de carne à boca, parou por um momento e olhou para o garoto. Um leve sorriso surgiu em seu rosto. — Você vai aprender, Cauã. Mas, primeiro, precisamos entender qual é sua verdadeira aptidão e como você se adapta em combate. — Ele fez uma breve pausa, pensando em como explicar da melhor forma. — Não viu ainda, mas o Paulo tem o jeito dele, cada um tem uma forma de se virar. Vou te ensinar o básico, como manejar sua adaga. A partir daí, você vai descobrir seu próprio estilo.
Paulo, que estava mastigando um pedaço de carne com um sorriso no rosto, não resistiu a entrar na conversa. Ele limpou a boca com as costas da mão e olhou para o garoto com um brilho nos olhos. — Seu pai tem uma afinidade com magia de som. É isso que permite a ele ser tão sorrateiro. Combina com o estilo de luta dele. — Paulo esticou a mão, e uma pequena lasca de pedra começou a se formar entre seus dedos. — Eu, por outro lado, uso magia de pedra. — A pedra crescia e se moldava em sua palma, dura e resistente como a rocha mais sólida. Ele ergueu a mão, mostrando a lasca de pedra recém-criada, e deu uma piscadela para Cauã. — Cada um tem uma magia que combina com quem é. E o que você vai descobrir é... qual é a sua?
Cauã observou a pedra na mão de Paulo com fascínio, seus olhos brilhando com um misto de curiosidade e empolgação. A ideia de que seu pai e Paulo usavam magia tão naturalmente o fez perceber o quanto ainda tinha para aprender sobre o mundo e sobre si mesmo. — E eu? — perguntou, quase num sussurro, sentindo o peso da pergunta enquanto olhava para a adaga presa ao seu cinto.
Simão deu um leve sorriso, quase enigmático, e voltou sua atenção para a fogueira. — Isso, meu filho, é o que vamos descobrir juntos
Naquela noite, Cauã deitou-se ansioso. A ideia de descobrir sua própria magia o enchia de expectativas; mal podia esperar para saber qual seria sua aptidão e como ela se manifestaria.
Conforme os dias passavam, a viagem seguiu em um ritmo tranquilo, tornando-se rapidamente uma rotina familiar. A paisagem mudava de forma hipnótica, alternando entre as sombras densas das florestas e os vastos campos abertos, onde pequenas árvores despontavam ao longe. Cada parada no caminho parecia um convite para Cauã melhorar suas habilidades. Simão aproveitava cada momento não apenas para treinar o filho, mas também para desfrutar de sua companhia. À medida que o garoto crescia em habilidade, Simão se perguntava, em silêncio, se não havia perdido tempo precioso ao manter Cauã distante por tanto tempo, protegido das influências dos Raven.
Agora, porém, está jornada representava mais que uma simples viagem. Para Simão, era a oportunidade de transmitir tudo que sempre quisera, de compartilhar o que sabia, e talvez, um dia, afastar o medo que carregava.
No início, Cauã era desajeitado. Seus movimentos eram amplos demais, exagerados, e careciam de precisão e força. Ele mal conseguia derrubar um simples Roggue, para o divertimento de Simão e Paulo, que riam sempre que o garoto girava sua adaga de forma desajeitada. Mas, com o tempo, à medida que a viagem avançava, seus golpes começaram a ganhar fluidez. Os risos frequentes de seus companheiros foram se tornando mais raros, um sinal claro de sua evolução.
Em uma das paradas, Simão saltou da carroça com um sorriso travesso e gritou: — O último a encontrar o jantar vai limpar a carne hoje! — referindo-se à desagradável tarefa de estripar o animal caçado. Rindo e motivado, Cauã correu atrás, mas logo tropeçou em algumas raízes. Determinado a não perder a brincadeira, levantou-se rapidamente e continuou a perseguição, com os olhos brilhando de entusiasmo.
Esses momentos de treino entre pai e filho transformavam a viagem em algo mais que uma simples jornada. Com risadas, desafios e brincadeiras, cada parada era uma oportunidade para Simão ensinar algo essencial para a sobrevivência de Cauã. Seja na caça, no preparo da comida ou no uso da floresta a seu favor, cada novo acampamento se tornava uma lição prática que forjava não só o corpo, mas o espírito do garoto.
A viagem seguia seu fluxo normalmente, e restavam apenas dois dias e duas noites para chegarem a Brampton. O cenário já começava a mudar, as florestas densas ficando para trás e os campos abertos surgindo com mais frequência. Enquanto avançavam pela estrada batida, Paulo, que guiava a carroça, avistou ao longe algo que chamou sua atenção. Uma carroça robusta e ornamentada, com detalhes refinados que indicavam riqueza, sendo puxada por dois cavalos imponentes. Ao redor dela, quatro cavaleiros montados em cavalos negros a escoltavam, em formação disciplinada. Tudo aquilo deixava claro: tratava-se de uma comitiva nobre em viagem.
Paulo, com uma expressão subitamente séria, soltou um leve assovio, um som baixo, mas carregado de urgência, sinalizando para Simão.
Sem hesitar, Simão levantou-se do assento de madeira no interior da carroça, seus olhos se estreitaram ao tentar enxergar o que Paulo havia visto. Conforme a imagem à frente se tornava mais nítida, o som metálico das armaduras dos cavaleiros ressoava no ar. Quando seus olhos finalmente focaram, um frio percorreu sua espinha. Ali, junto ao brilho das armaduras, ele avistou um detalhe que gelou seu coração — o tom púrpuro nas vestes e o símbolo inconfundível de um corvo. Não havia mais dúvida: tratava-se de alguém da Casa Raven.
Na tentativa urgente de passarem despercebidos, Simão voltou rapidamente para o seu lugar na carroça. Seus movimentos eram ágeis, quase automáticos, impulsionados pelo medo que pulsava em suas veias. Com um gesto rápido, ele puxou o capuz sobre a cabeça de Cauã, cobrindo os cabelos prateados do garoto.
— Não importa o que acontecer! — Simão sussurrou com intensidade, seus olhos refletindo uma seriedade que Cauã nunca tinha visto antes. — Não fale nada e mantenha a cabeça abaixada! Entendeu, garoto?!
Cauã, sentindo o peso da urgência, apenas assentiu, com o coração batendo descompassado. O som dos cascos dos cavalos dos cavaleiros da Casa Raven ficava mais alto a cada segundo.
Simão apertou o ombro de Cauã, tentando transmitir segurança, mas a tensão no ar era inescapável. Paulo, antes calmo, agora parecia tenso, seus olhos fixos na estrada, mas atento à carruagem que se aproximava.
Os cavaleiros dos Raven, vigilantes, circulavam a carruagem como predadores à espreita. O símbolo do corvo reluzia nos estandartes, um lembrete sombrio do passado que Simão temia. A cada metro que as carroças se aproximavam, o tempo parecia se arrastar.
Quando finalmente chegaram perto, os olhos dos cavaleiros se voltaram para eles.
Que clima gostosinho neste capítulo